sábado, outubro 23, 2004

Mulher portuguesa

A mulher portuguesa vive ainda amordaçada pela sua condição de mulher. Debaixo de um luto eterno ecoam sons melancólicos e fatídicos do fado das suas vidas. A nossa sociedade é cruel e injusta para com as nossas mães, mulheres e amantes.
Marcada ainda pelos dogmas católicos, este ser maravilhoso parece condenado a penitenciar por um pecado original de uma Eva que nunca pecou, enquanto Adão, o verdadeiro responsável, permanece impune. A mulher pode ter muitos defeitos, mas no que respeita ao pecado e à maldade, acredito que fique bem atrás do homem.
Ela é por isso forçada a viver uma sensualidade escondida na vergonha do medo de uma sociedade hipócrita e injusta. A mulher portuguesa parece ter medo e vergonha do seu corpo. Trata-o mais como se ele fosse um empecilho do que uma obra de arte que a natureza esculpiu. Já alguma vez se interrogaram porque razão as mulheres portuguesas se vestem tão desajeitadamente - como as avós, segundo um amigo meu. Talvez seja pelo medo daquilo que os outros dizem ou pensam, ou então delas próprias.
A mulher portuguesa não é feliz porque não a deixam ser livre. Vive acorrentada a preconceitos teimosamente reincidentes, mesmo na camada mais jovem da população. Se seduz é uma desavergonhada, se ousa é uma putas, se está livre é um perigo, se triunfa na vida é porque dormiu com o chefe, se é bonita é assediada de piropos de rapazes imberbes e propostas indecentes de labregos insensíveis.
A mulher portuguesa leva uma vida atormentada. Enquanto jovem, é a família que a proíbe de se divertir. Prevalece ainda o conceito do namoro ser uma coisa séria, já a pensar no casamento. A mulher portuguesa tem um sorriso bonito e meigo, mas reprimi-o com o medo que este seja interpretado como um sinal de uma coisa que nem lhe passou pela cabeça. Parece ser o casamento a chave da independência há tanto ambicionada.
Mas rapidamente ela se apercebe que essa liberdade não passa afinal de uma miragem. Do jugo da família passa para o jugo do marido e mais tarde dos filhos, dos pais, dos sogros e o que mais houver. Do estatuto de amante passa rapidamente para o de mãe: um ser praticamente assexuado, que trata da casa e dos filhos. E assim permanecerá até o final dos seus dias. Arranjar a comida, cuidar da casa, tratar dos filhos, ir às compras, o trabalho. Que tempo lhe resta para pensar em si, para sentir e partilhar o amor que ela possui no seu coração?
A mulher portuguesa não tem espaço para ser mulher. É um corpo disforme e cansado que transporta uma mente ocupada de problemas e tarefas rotineiras, sem imaginação, sem espírito, apenas com muito coração e amor. Amor não talvez não, antes ternura.
A mulher portuguesa pode não ser tão bonita e vistosa como outras mulheres do mundo, mas é das mulher mais ternas, apaixonadas e dedicadas que conheço, mas que poucos sabem apreciar. De outra forma como podia ela suportar uma existência tão madrasta? Na sua ingenuidade ela guarda uma grande sabedoria que não aparece em nenhum livro ou registo, mas que se sente no calor da sua presença. De uma forma discreta e singela ela vai mostrando o seu amor por tudo o que lhe é querido, enquanto vai esperando. Esperando que um dia lhe deixem ser aquilo que no seu íntimo sempre sonhou.
Por Armando Vieira
O autor deste texto é professor de Física no ensino superior. Além da Física, interessa-se por todos os sistemas complexos: Redes Neuronais, Economia, e ... o amor e a psicologia das mulheres.
Nas horas vagas escreve contos e ensaios. Está a concluir o seu primeiro romance "Umas Férias de Si Mesma". http://mulher.sapo.pt/J43/334842.html

Sem comentários: